Balada de inverno 20-01-2009
Em um inverno em Casa Branca, todos malucos faziam suas rodas de violão no bosque da boçoroca seca. Íam a tarde estourar uns becões e ficavam tocando. Depois, já a noite, voltavam com uns fortes, conhaque e outras bebidas fortes. Levavam umas meninas. Em uma dessas empreitadas, dois cachorros do mato nos acompanharam. Eles davam umas carreiras, e ficavam brincando de lutar. Em certa altura da noite, já trêbados todos, sei que o Tocão foi sentar no tronco de uma árvore, e sentiu uma ferroada. Era uma aranha. O veneno começou a ferver como uma tocha, na descrição dele. Nestas alturas, o que puderam pensar foi em levá-lo para a Santa Casa da cidade. Chegando lá, tarde da noite, muito bêbados, foram falar com uma enfermeira. Enrolaram, dizendo que estavam acampados no meio do mato, que um bicho o picou etc. A princípio, ela não caiu na história. Tiveram que levantar a voz para tentar convencê-la, e conseguiram que o Tocão tomasse umas baita injeções, e se livrasse daquela enrascada.
O Carnaval dos caipiras e dos mendigos 20-01-2009
Em certo carnaval casabranquense, em que havia ainda a folia de rua, brincadeira de salão, até desfile de escola de samba, resolveram aprontar. Se vestiram de camponeses, caipiras, chapeu de palha, roupa rasgada. Nas noitadas, encontraram o Todo. O Todo estava vestido de um mendigão, barbudo, com uma capa fedorenta, ficou doido mesmo. Todo santo dia se encontravam na frente do bar da Dulce, que nem existe mais. Lá compravam uma macieira, que tomavam juntos, além de outras garrafas que matavam até a última gota. Lembra que naquele dia, o prédio construído pelo Sérgio Naya ruiu? Acabaram na praça em frente da Matriz, mandando um becão em cima da árvore. Foi muito doido quando desceu, tomou um escorregão, todos riram. Acabavam o carnaval lá no bosteiro, detonados, chapados pra valer mesmo. Teve até uma confusão, no meio da muvuca, da concentração, um cara veio dando uns chutes. Não encarou, pois estava muito chapado, e alguns camaradas vieram separar. Não rolou a briga.
2009-01-15
Augusto lembrava de um camarada antigo, conheceu enquanto ele trampava no supermercado na esquina da casa de meu avô. O seu apelido era Baby. O cara era mais velho, tinha uma namorada. Depois descobriu que ele tinha tretas com o Cridão também. Certa vez, sacando que eu curtia um som, convidou para sua casa. Era próxima à do seu velho avô. Ele tinha várias bolachas, um irmão que falava no Deep Purple, no Burn. Também ofereceu uns tragos de vinho. Devia ter 15 na época, menos até. Ele mandou ver King Diamond, Iron Maiden do No Prayer, Mother Rússia. Ficavam curtindo diversos sons massas que ainda não conhecia, discutindo. Fora uma fita que ele emprestou, só fossas, com Changes, do Sabbath.
Outro camarada do interior era o Marcinho peito de pombo. No começo, tínham certa treta. Mas o cara virou um grande camarada. Ia até a casa Dele, emprestava uns Metallica na época. Ele rolava uns Megadeth, Slayer. Trocavam idéias sobre muitos sons. Teve até uma vez que um cara, manézão, veio cantando de galo com o Rust in Peace na mão. Pediu emprestado e nunca mais devolveu, de tanto que curtiu. Até hoje está em sua casa o LP; isto acontecia às vezes, mesmo sem sacanagem. Até o Cridão ficou com um play seu do Slayer; já perdeu uns livros também, com uns camaradas, tenho plena consciência, SABE-SE QUEM SÃO, mas não acha ruim, não cobra de volta. Certas, vezes, o presente cai bem para o camarada, é a cara dele. O livro doidão do Artaud (Encanto radical) ficou com quem, por exemplo?
2009-01-13
Agostinho teve experiências anteriores, de ir ao Calango zuar o barraco, de bater cabeça, de biritar, ficar azarando umas mulheradas. Tinha uma loira gostosa que veio dar mole, ele deu uns agarros nela, mas nunca mais encontrou depois. Só se lembra de uma vez, a galera do mal toda reunida, tinha todos mesmo, Peito de pombo, Rafa, cridão, tocão, ganso. Foram parar lá no Calango, entraram, ficaram zonando, numa roda de bêbados. Na ida, só tomando cachaça pra valer, 61, da boa da terra. Foram levados de caminhão, tamanha a quantidade de gente. Trocando idéias, falavam sobre rock´n´roll, zuavam na roda. Só se sabe que Agostinho começou a travar. Chapou o coco mesmo legal. Foi embora antes, na caminhada, só chamando o Juca. Foi um xarope do seu lado, um tal de Neymar, não lembro se o drianinho também. Só se sabe que Agostinho, no dia seguinte, estava chapado, deitado no quarto da frente, o chão de madeira todo vomitado. Éram os experts no vomitão.
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Em certo carnaval Agostinho também acordou cedo, da ressaca do dia anterior. Estavam na pracinha da Matriz o Tocão, que o chamou para a pracinha do delírio; o Bartoldo, com suas veias saltadas na testa de tanta nóia. Ficaram enrolando, Agostinho, zonzo, de ressaca do dia anterior. E sempre tinha mais algum goró. Só lembro que Agostinho tomou um eno, algo que o toco deu, e chamou um juca-jato, tão amarelo por causa da bílis. Isto lavou o jardim: Agostinho vomitou até andando. O Bartoldo, com sua risada animal, curtiu. Tudo para ele era festa. Às vezes íam na lagoa azul, mergulhar, pular do alto, até espatifar. Várias caminhadas, descidas de bicicleta, até o açude, até a lagoinha azul, regadas a tudo. Sem contar a vez que o mesmo mala do Bartô, deixando Agostinho cair de propósito na carona, fazendo cair, o chapado de tudo.
Já conhecíam a peça, várias vezes, pondo prova, desde que morava no Desterro, chamando para fumar um na mata do desterro. Foram, bancaram, mas ele ficou loucão, até vomitou. Agostinho e Toco voltaram, numa boa, e foram cada um para suas casas.
Um desenho chapadão da época, feito pelo Cridão
A casa do avô de Agostinho nunca viu tanta bosta como naquele Janeiro. Tanto fumo, mulher e uísque. O falecido devia estar gozando no túmulo, antes de estar se revirando. Com o Guga, mandaram ver uma lata embaixo da mangueira. Até o tio viu o Zé do boné fumando um careta, pelo portão, e ficou espantado. Ficaram tudo de zóios trincando, mandando ver as bombas pra o meio da testa. Tinha ate carteado, tomando gorós, antes de sair na noitada. Às vezes do benzeno também, na casa do Senhor vô do tocão na Matriz, nunca saíram tão tortas. E as pernas também também. Quem saia com a patota às vezes, ou trombava, após seu namoro com Samuca era a Paula. Agostinho não tinha muita paciência com estas, e uma outra chamada Puty (que nem era uma puta profissional, diga-se de passagem: as putas ao menos ganham dinheiro, ela não). Agostinho queria minas da hora, como algumas amigas, que conseguiam ter uma boa troca de idéia, embora nunca tenha conseguido com estas passar da idéia. Mas, o que não conseguia com estas, conseguia com outras: aproveitava do corpo das fedôzinhas, umas que pagavam pau pra todos, Agostinho, e ficava na idéia com as amigas. A experiência e a observação posterior ensinam bem este critério de distinção, não chega a ser uma filosofia sobre as mulheres, mas um guia de sobrevivência. Boas são as que combinam boas pernas e boa mente.
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Muitas vezes, também, não era só de chapação. A própria chapação tinha uma função social. Quantas e quantas vezes, os bandidos da cidade, foram ao Clube, nas olimpíadas, estouradão, fedendo rolha? O clube era massa, tinha uns bailes, muitas mulheres bonitas, inclusive algumas que pulavam conosco. Todos pulávam por trás, escondidos, com cachorros. Bailes de primavera, bailes de carnaval. Eram os bandidos da cidade, mas os bandidos que as gostosas burguesinhas gostavam de dar, de meter. Pois vagabundos sempre meteram melhor, mais gostoso e mais demorado pra fazer as patricias gozarem. Ao menos era o que percebiam.
Esta eu encontrei depois, mas olha como coincide com o que escrevi antes mesmo de ter lido o Factótum (25-7-2009):
"As discussões eram sempre iguais. Eu entendia a questão perfeitamente - os grandes amantes eram sempre homens desocupados. Eu trepava melhor sendo vagabundo do que tendo que bater ponto" Chinaski em Factótum
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Certa vez, chegamos ao cúmulo. Augusto tinha dado uns cata numa putinha, toda arrebitada mesmo, ficou metendo o dedo na buceta dela, esfregando o pau, era uma danada bem novinha que só tinha nome de santa Conceição, só no nome mesmo. Todos resolveram que entraríam no acecepe. O Ferdinando, que era um touro maluco, achou uma passagem no teto do bagulho. Todos escalaram por trás, subiram muro, logo estávam no telhado. Augusto ajudou a putinha, a sua amiga, o Ferdis foi na frente quebrando tudo, montou mesas empilhadas e eles desceram pela mesa e foram curtir o baile. No final das contas, Augusto acabou dando uns catos até na outra que em nada tinha de peito na época, muito menos pêlo na buceta. Ele tinha pego baba de um camarada, que tinha beijado com ela naquela mesma noite. Ela estava no começo de tudo.
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Na descida da estação, em frente a um posto, certa vez, trombaram, Agostinho e tocão, no rumo de ir embora, uns camaradas. Eles mandaram brasa dentro de um posto de gasolina, e ficaram trocando várias idéias ali mesmo, na frente da antiga loja onde era um fliperama. Um deles, que num lembro o nome, sei que falou de uma treta com um gato do mato. Sei que ele enfrentou o gato do mato. Todos caíram na risada, com a idéia satisfeita. Eram coisas sem malicia as que ocorriam naquele tempo, sem forçar a barra.
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Muitas passeadas no meio das boçorocas, por meio de águas, por meio de barro seco, caminhando sob um rio fino, sem nada ou ninguém por quilômetros.
Quantas e quantas vezes, passaram as noites casabranquenses no hálito de cheiro de mato, na brisa, até a ponte da gabiroba? Bastava uma carona, daquele mais velho, que estávamos num pasto. Muitas vezes curtindo um Zé Ramalho ou Zé Geraldo, num som de fita dentro do carro, estourando uns becões, vendo estrelas e a lua no alto nos acompanhava. Às vezes, até a estação de trem já abandonada servia. Teve vezes que preocupou, como a do Cridão querendo se jogar da seca, após terminar seu caso com uma mina mocoquense.
Chegávam, Cridão, Pantufa, Tocão e Agostinho, com um destes, os chibabinhas, e íamos no fuscão do samuca, que chapava a doidado. Tinha uns gêmeos bobões, uns bombadões burgueses metidos, que iam às vezes. Piravam na batatinha com um simples baseadinho, e ficaram morgadões na estrada da gabiroba. Encontravam os boçais no caminho da Gabiroba à Lagoa azul e até tiravam um barato da cara deles.
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Na entrada da escola, uma bomba de haxixe, e os olhos trincando, e mais alegres, mais participativos até nas aulas mais chatas. Também se lembra das chamadas no banheiro, com os camaradas. Saíam trançando, uma vez foi um camarada pensar que saiu com o pano na boca. Ele que viu coisa demais...
A sua lembrança mais remota deste tipo de chapação foi uma vez em que entraram numa matinê no carnaval a tarde de Casa Branca. Agostinho devia ter 13 ou 14 anos. Do tempo em que a molecada ficava enchendo bixiga e tacando, fazendo guerra. Foi nesta vez que Agostinho conheceu pela primeira vez um lança-perfume paraguaio. A galera fez uma roda e espremeu um pouco do frasco que havia. Foi conhecer o paraíso, viajando pela primeira vez.
REBENTOS DO CELSO: Poemas, causos, memórias, resenhas e crônicas do Celso, poeteiro não-punheteiro, aquariano-canceriano. O Celso é professor de Filosofia numa Escola e na Alcova. Não é profissional da literatura, não se casou com ela: é seu amante fogoso e casual. Quando têm vontade, dão uma bimbadinha sem compromisso. Ela prefere assim, ele também: já basta ser casado com a profissão de professar, dá muito trabalho. Escreve para gerar o kaos, discordia-ou-concórdia, nunca indiferença.
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