Alguns dos versos bate e pronto.
Viva Piva!
Eu vi uma linda cidade cujo nome esqueci/
onde anjos surdos percorrem as madrugadas tingindo seus olhos com
lágrimas invulneráveis/
onde crianças católicas oferecem limões para pequenos paquidermes
que saem escondidos das tocas/
onde adolescentes maravilhosos fecham seus cérebros para os telhados
estéreis e incendeiam internatos/
onde manifestos niilistas distribuindo pensamentos furiosos puxam
a descarga sobre o mundo/
onde um anjo de fogo ilumina os cemitérios em festa e a noite caminha
no seu hálito/
onde o sono de verão me tomou por louco e decapitei o Outono de sua
última janela/
onde o nosso desprezo fez nascer uma lua inesperada no horizonte
branco/
onde um espaço de mãos vermelhas ilumina aquela fotografia de peixe
escurecendo a página/
onde borboletas de zinco devoram as góticas hemorróidas das
beatas/
onde os mortos se fixam na noite e uivam por um punhado de fracas
penas/
onde a cabeça é uma bola digerindo os aquários desordenados da
imaginação
Paranóia, 1963
Eu vi os anjos de Sodoma escalando
um monte até o céu
E suas asas destruídas pelo fogo
abanavam o ar da tarde
Eu vi os anjos de Sodoma semeando
prodígios para a criação não
perder o ritmo de harpas
Eu vi os anjos de Sodoma lambendo
as feridas dos que morreram sem
alarde, dos suplicantes, dos suicidas
e dos jovens mortos
Eu vi os anjos de Sodoma crescendo
com o fogo e de suas bocas saltavam
medusas cegas
Eu vi os anjos de Sodoma desgrenhados e
violentos aniquilando os mercadores,
roubando o sono das virgens,
criando palavras turbulentas
Eu vi os anjos de Sodoma inventando a
loucura e o arrependimento de Deus
(Roberto Piva in Paranóia, 1963)
Praça da República dos meus sonhos / onde tudo se fez febre e pombas crucificadas /
onde beatificados vêm agitar as massas / onde Garcia Lorca espera seu dentista / onde conquistamos a imensa desolação dos dias mais doces
Uma tarde / é suficiente para ficar louco / ou ir ao Museu ver Bosch
Piazzas, 1964
amoras jorram a beleza anarquista de suas coxas molhadas
a este urubu em carne viva
que grasna na sacada
Queria ler Vico mas não posso / queria ler fico mas não fossa / queria tomar pico mas na roça / queria virar mico sem a coça / queria ouvir Chico lá na choça
Quizumba, 1983.
Está na hora de nossos poetas
deixarem de ser broxas
e tornarem-se bruxos
Homenagem a Roberto Piva
Dia 27 de Julho de 2010
A partir das 19h30
Descrição:
Casa das Rosas
Av. Paulista, 37 - Bela Vista - São Paulo - SP
Tel: (11) 3285-6986
(11) 3288-9447
Descrição:
O evento homenageia o poeta Roberto Piva, morto no dia 3 de julho em São Paulo, cidade onde nasceu em 1937.
A homenagem terá depoimentos de Claudio Willer, Roberto Bicelli e Rodrigo de Haro, seguidos de recital com a participação de Claudio Willer, Roberto Bicelli, Frederico Barbosa, Claudio Daniel, Marcelo Tápia, Fábio Weintraub, Virna Teixeira, Reynaldo Damazzio, Luiz Roberto Guedes, Rodrigo de Haro, Fábio Camarneiro e Danilo Monteiro.
Roberto Piva foi um dos mais importantes poetas do Brasil nas últimas décadas. Seu primeiro livro, Paranoia, foi publicado por Massao Ohno em 1963. Foi classificado como um "poeta maldito". Entre suas influência estão Álvares de Azevedo, Antonin Artaud, Arthur Rimbaud, Marquês de Sade, Pier Paolo Pasolini, entre outros.