Chego em casa já deglutindo a idéia de ficar sem o larjã no mês que vem. É simples, correr e se enforcar em mais uma porcaria de uma dívida que mais pra frente tudo se resolve, é como adiar a morte inevitável, entre tomar uma injeção letal ou a cadeira elétrica. Legitimar o assalto à mão desarmada do banco ao invés de o assaltarmos. enquanto isso deito no copo um glutgluglutglu é um som maravilhoso que escuto pego uma fatia de pão e lambuzo num azeite e tudo fica bom novamente até acordar e ir para a estação do trem parece suportável já que vou escutando uma música e me divirto com o Caufield na estação esperando o vagão ou na volta do trampo já que na ida vou de pé cedinho com mais outros diversos candangos e candangas sonolentos e caras tristes margeando o pinheiros naquele trem expresso. Talvez à noite venham imagens bruxuleantes visitar-me povoar minha imaginação sacana mas já estou me acostumando paciência. Daí eu lembro de uma passagem do Misto-Quente em que Chinaski saiu de sua casa como aquela passagem é bonita e bem escrita fico pensando na vida e nas diversas situações e sinucas de bico que ela nos coloca.
Gosto dos escritos do véio China exatamente porque ele não se declarava porra nenhuma; era apenas um solitário à la Schopenhauer preferia suas audições de Mahlers só a música e as cachaças e mulheres que o faziam segurar o tranco e seguir adiante; detestava quando o tiravam da solidão para não lhe dar verdadeira companhia, como diria o Zaratustra. O compreendem mal pacas quando só o pensam como um beberrão ou coisas do tipo que ele não se declarava pertencer a qualquer merda dessas modas geracionais se era uma mosca de bar ao invés de preferir uma fábrica é porque é óbvio que todo peão ou trabalhador que se preze e faça juz a este autêntico nome prefere se enfiar num bar nas horas vagas, no desemprego, ou simplesmente na fossa, essa entendida como o depósito de merda; ele ou ninguém trampa porque quer ou gosta ou morre de paixões pelo chefe, é o eterno injuriado do sísifo ou do azarado pessimista que rola a pedra até o alto para ela cair de novo, mas porque alguém tem que meter a mão na merda e porque precisa bancar algum de seus vícios, pois quem não tem seus vícios pra bancar? não só os bandidos marginais tem vícios mas qualquer cristão de deus os tem a não ser se estiver morto for um chato ou um dalai-lama. O desemprego estrutural eterno ou a mudança de empregos precários para mais precários é uma constante nos seus textos e não só no texto a depressão econômica pós-crise de 1929. O quadro pintado por Buka sempre traz isto, a situação dos desempregados desajustados na sociedade norte-americana embora depois tenha sido o homem que teve vários empregos precários, o Faz-tudo ou Factótum desde lavador de pratos, até pelo tempo nos correios em que teve mais estabilidade, até poder dedicar-se somente à escrever Ele se vangloriava por escrever seu primeiro poema depois de véio pois primeiro se tem que se sujar de poeira de graxa ou meter a mão na merda pra não ser um colarinho branco da escrita.
Eis a passagem, e lembro de algumas passagens da própria vida sinto na carne situações parecidas com o desemprego ou troca de empregos também vivida nos anos 1990 com todas as diferenças de contexto, e saída de casa, lá se vão mais de onze anos, e eu nunca retrocedi, muito menos pedi arrego pra ninguém, sempre encaro as paradas de frente e usando e apreciando as coisas que amortecem o delírio cotidiano com coisas reais, como o véio Chinoca:
"- Quer dizer que você não pode aguentar o emprego nem por uma semana?(...)
Eu não respondi à pergunta do meu pai. (...)
-Ele não pode comer - dissse meu pai-, não pode trabalhar, não pode fazer nada, ele não vale sequer uma trepada! (...)
Eu me lembrei do que Ivan disse no livro Os Irmãos Karamazóv, "quem não quer matar seu pai?" (...)
Eu varri o mercado de trabalho, como se costuma dizer, mas era uma rotina monótona e inútil. Como todo mundo lavava pratos, a cidade inteira estava cheia de lavadores de pratos desempregados."
Mas que diabo, eu nem conseguia um emprego de lavador de pratos. (...)
Minha mãe apareceu por detrás da folhagem.
-Henry, Henry, não vá para xasa, não vá para casa, seu pai vai matá-lo!
(...)
-como é que ele vai fazer issso? Eu posso lhe chutar a bunda!
-Henry, ele achou suas historietas e as leu!pra que ele as lesse.
-Eu nunca pedi que ele as lesse. (...)
- Ele disse que vai te matar! Disse que nenhum filho seu poderia escrever histórias como aquelas e continuar vivendo sob o mesmo teto com ele! (...)
-Vamos para casa, mamãe, e ver o que ele faz...
-Henry, ele atirou todas as roupas no jardim, toda a sua roupa suja, sua máquina de escrever, sua valise e suas histórias! (...)
A pobre mulher me agarrava pela camisa.
-Henry, escute, arrume um quarto para você em algum lugar! Henry, eu tenho dez dólares! Pegue esses dez dólares e arrume um quarto para você! (...)
Em primeiro lugar eu corri atrás dos meus manuscritos. Foi o golpe mais baixo que ele poderia fazer comigo. Eles eram uma coisa na qual ele não tinha o direito de mexer. (...) Não havia muito para colocar na mala. Fechei-a, peguei a máquina de escrever e comecei a andar. (...)
Achei um quarto na Rua Temple, no bairro filipino. custava três dólares e meio por semana e ficava no segundo andar."
Charles Bukowski, Misto Quente
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