terça-feira, 10 de novembro de 2009

Resenha de Deus e o diabo apresentado no cineclube dos professores de Osasco



Deus e o diabo na terra de Glauber:um transe barroco na terra do sol.

I. Introdução

Deus e o diabo, o maniqueísmo, a dualidade de um Deus negro, Sebastião, e um Daibo loiro, corisco. Já expressa no título uma referência aos poetas paulistas (porque São Paulo é terra de ninguém), Jorge Mautner, filho de um judeu austpiaco e de um padrasto alemão, imigrado ele próprio, escrevera em 1962 o livro “Deus da Chuva e da Morte”, citado posteriormente por Caetano na própria “Sampa”.
O filme de Glauber é o barroco, com suas imagens dialéticas À la eiseinstein, do discurso revolucionário, mesmo com uma distância de mais de 40 anos e tiradas da nouvelle vague francesa. Há toda uma ética na estética de Glauber, uma repulsa À violência da opressão social, pela justiça social. Glauber estetiza o Sertão nordestino do Brasil, traduz para o cinema a linguagem do cordel, do Brasil do Sol, de beatos e cangaceiros, do Sertão x Mar, de Deus x Diabo, lavradores e latifundiários.
Não é possível ignorar a crítica social e conjuntural imanentes a este filme. O filme é herdeiro do cinema novo, gerado na década de 1950, da Revolução cultural da Bossa nova, do concretismo, das Artes, da Tropicália, e foi lançado no ano da contra-revolução, do golpe Militar de Abril de 1964, em meio à tensão social e da ditadura militar. Como já fora citado sobre o movimento que o gerou, o cinema novo, que rompe com uma estética hollywoodiana, de orçamentos caros, as referências são filmes como “O cangaceiro”, de Lira Barreto, 1953, que influenciam Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, o próprio Glauber, apoiados no cinema eiseinsteineano, na nouvelle vague, no neo-realismo italiano, contando com poucos recursos e pouco orçamento – uma câmera na mão, uma idéia na cabeça” para revolucionar as artes brasileiras, fazer a crítica da realidade social do país, o que parece ser retomado no último cinema brasileiro, com a mesma miséria cultural doutrora
O filme contém basicamente três partes, podendo ser esquematicamente desse modo compreendido como uma referência aos Canudos de Euclides da Cunha e ao Cangaço: O sol, o homem: a morte cotidiana de um vaqueiro Manuel (1a parte) a terra de Deus: Deus preto: beatos, padres, critica aos dogmas das “Igrejas” (2a parte); e a Luta: o diabo, Corisco: o cangaço (3a parte).
II: O homem da Terra do sol

O filme enfoca o Plano do Sertão nordestino um modo de produção para lá de rústico: a produção agrícola, artesanal e manual de milho, mandioca, de subsistência e de manufaturas.A questão fundiária ou agrária é o enfoque central do filme. Há cenas riquíssimas que indicam isto: o céu de poucas nuvens e o chão seco; Manuel olha para a rês morta no chão, SUA ESPOSA MOENDO O MILHO.
Todas as imagens mostram um Brasil subdesenvolvido, uma Colônia do Sul, dos impérios, a dependência da chuva, as condições climáticas, da exploração do latifúndio. Manuel é um personagem, o vaqueiro, que individualiza seus problemas, pensando que podem se resolver na esfera privada. Já sua esposa, rosa, traz o Marido Manuel de seus delírios para a realidade concreta, para a condição de explorados que são. Rosa parece encarnar a primeira pessoa, o narrador-Glauber, críticos das condições de vida dos proletários, lumpen e camponeses pobres, bem como de todos políticos sectários e utopistas de esquerda e direita.
Ha uma cena extremamente dialética a la eiseinstein, que expressa a luta de classes entre vaqueiros e latifundiários Moraes (o Senhor) passa a chicotear Manoel o vaqueiro (o Escravo, o trabalhador), devido este ter perdido doze cabeças de rês pelas condições climáticas, da seca do sertão. Há uma luta entre forte e fraco, e Glauber mostra a alienação do proletário, que é maioria na sociedade, tem as melhores armas, mas é persuadido pelo patrão (facão contra chicote). Nesta luta dialética À la Hegel entre o Senhor e o Escravo, o Escravo vence, mas é obrigado a fugir, para não ser preso. E foge para companhia do beato Deus negro Sebastião e seu reino e igreja invisível.

III A terra do céu

Nesta parte, observaremos uma crítica tanto a corrupção e o egoísmo da direita, ao poder burguês, bem como À incompetência da esquerda em transformar e apresentar projeto alternativo ao país. Sebastião, que é apresentado com as Magnitudes afetivas de Villa-Lobos, é a réplica do Conselheiro e Manuel do povo de canudos, que acha ter encontyrado a salvação no Monte Belo.
Rosa, Yoná Magalhães, que é a voz da conciêncoia glauberiana no filme, é a luta contra a alienação dogmática e a pregação religiosa. Sebastião é como Antônio conselheiro, um pregador “populista” que acreditou viver à marge da República e da Igreja Católica, realizando um discurso sobre o poder divino de que o sertão viraria mar e o mar viraria sertão, ou seja, transformaria as relações sociais do sErtão, transformaria a aridez em fertilidade, conseguindo levar consigo um séqüito de pobres, convencidos de que há um lugar, uma utopia, em que não há desigualdades de classe, contrário ao latifúndio, e que este local é o invisível, por que está “dentro das pessoas”. Nesta passagem encontra-se a crítica glauberiana às três posturas: às esquerdas dogmáticas, prepotentes; À direita individualista, egoísta (Gigante da Maldade, República e Imperialismo) e ao público alienado igualmente explorado, que não se reconhece com e como explorados e farrapos humanos. Glauber avisa que não há saídas fáceis, simplista e milagrosas. Suas lições são válidas e muito úteis para a conjuntura atual.
A cena da contradição da pregação moralista do Deus negro como Sacrifico produz mais uma claridade de Rosa, o Glauber no filme, para provar o dogmatismo do beato, em querer matar um inocente, enrola-lo e apunhala-lo ( a cena da cruz e da espada são emblemáticas). Manuel vai percebendo-se explorado, carregando pedras e realizar provas sacrifíciaos que não condizem com uma utopia de uma sociedade emancipadora. Rosa apunhala o beato para provar a Manuel que está no caminho errado, um Deus maligno, diabólico, que mata inocentes para seus objetivos e para convencer e arrastar consigo uma legião de anjos guerreiros. Assemelha-se à uma crítica de a todos totalitarismos, inclusive o de esquerda à la paredon, desumano e antihumanista.
Por fim, nova fuga de Manuel e rosa, desta vez com o massacre do povo de Sebastião, do Sebastianismo do Sertão que virá mar, opostos ao Sebastianismo português, que o povo espera voltar do mar à terra. O matador é Antônio das mortes, personagem que reaparecerá no filme “Dragão da Maldade contra o santo guerreiro”. O personagem, um capataz, que mata o povo santo cobrando caro, com medo do castigo divino. Antônio das Mortes é um capataz, um mercenário, lacaio do imperialismo, capitão do mato, encarregado pelos latifundiários a por fim na imaginária canudos e todos os pobres e bandidos cangaceiros do Sertão. No filme “Dragão da Maldade”, Antônio das mortes adquirirá consciÊncia de classe e perceberá como errou até então, servido ao latifúndio e ao Dragão da maldade do imperialismo, passando a lutar ao lado dos oprimidos.
IV A luta: batalha do diabo vingador

Por fim, aos moldes dos Sertões de Euclides da cunha, o homem, ou melhor, os homens, as classes lutam em guerrilhas, demonstrando a impossibilidade de saídas individuais para problemas coletivos. Nesta cena, o cego cantador leva Antônio das Mortes ao Diabo lorio Corisco. A curiosidade é que o Diabo, figura maldita pelos cristãos, aqui é apresentado como um bandido cangaceiro no sertão, branco, em oposição ao Deus-santo negro, Sebastião.Ao som do Cantor Sérgio Ricardo, autor da música do filme, lutam ambos, Antônio das Mortes e o cangaceiro Corisco, luta que termina com a morte deste.
Nova crítica de Glauber à políticas e políticos de esquerda e direita, que devem governar pensando no bem comum, e não na corrupção, a sua “cegueira lança todos ao covil das feras.a Direita, ignomínia, ignorante, egocêntrica, “cega”; a “esquerda” são cegos, pois não vem a saída, são etapistas como o PCB que aliou-se À burguesia nacional: sendo o inferno um local cheio de boas “intenções”, estes seriam “aliados, e não capachos na luta contra o dragão da maldade do imperialismo. Nesta última parte, Corisco, um diabo, faz as vezes de um beato que discursa contra o demônio do latifúndio e da pobreza, da ignorância do sertão: o Gigante da maldade, inimigo do povo, o imperialismo. O filme contém propriedades únicas sobre a revolução e a contra-revolução em curso, qualitativo, profundo, radical, sem ser panfletário. Após o assassinato do diabo Corisco e suas cabezas cortadas, a música propõe a dialética entre o sertão e o mar, Deuz e o diabo, e Manuel e Rosa correm em direção ao mar.

V Conclusão

Glauber Rocha encerra o filme deixando-nos sem respostas, interrompendo em um momento enigmático, colocando o problema a todos. Por que Manuel não voltou e acode Rosa, quando esta caiu? Por que o filme não termina com a chegada de Manuel e Rosa ao Litoral? Rocha prefere deixar as questões em aberto, reafirmando que não existem saídas fáceis para o Brasil, e criando um dos melhores filmes nacionais de todos os tempos, filme que traz a história de literatura de cordel e um filme barroco, dualista, entre deus e o diabo, o Sertão e o Mar, em que reinam os vaqueiros, os cangaceiros, beatos e matadores.

Professor Celso Augusto Torrano (EE Profa Alice Velho Teixeira/CENEART)

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