É preciso acabar com as obras primas
Uma das razões da atmosfera asfixiante na qual vivemos sem escapatória possível e sem remédio - (...) é o respeito pelo que é escrito, formulado ou pintado e que assumiu uma certa forma, (...)
É preciso acabar com essa ideia das obras-primas reservadas a uma auto-intitulada elite e que a massa não entende, e reconhecer que não existe, no espírito, uma zona exclusiva como aquela reservada para as ligações sexuais clandestinas.
Se a massa não vai até as obras-primas é porque essas obras-primas são literárias, isto é, imobilizadas; e imobilizadas em formas que não atendem mais às necessidades desse tempo.
Longe de acusar a massa e o público, devemos acusar a fala formal que interpomos entre nós e a massa, e esta forma de nova idolatria das obras primas imobilizadas que é um dos aspectos do conformismo burguês.
Este conformismo que nos faz confundir o sublime, as ideias, as coisas com as formas que assumiram através dos tempos e em nós-mesmos - em nossas mentalidades de snobs, de preciosos e estetas que o público não entende mais.
Esta ideia de arte desligada, de poesia-encanto que só existe para encantar o lazer, é uma ideia de tempos de decadência e demonstra claramente nosso poder de castração.
É preciso acabar com essa superstição dos textos e da poesia escrita. A poesia escrita vale uma única vez e, depois, que seja destruída. Que os poetas mortos cedam lugar aos outros.
É preciso parar com esse empirismo, esse acaso, esse individualismo e essa anarquia.
Basta de poemas individuais e que servem mais a quem os fez do que aos seus leitores.
Basta, de uma vez para sempre, com todas essas manifestações de arte fechadas, egoístas e pessoais.
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Fragmentos do capítulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário