domingo, 21 de novembro de 2010

Lou Reed ou como um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar

Sabe cumé, não é? Tava em casa coçando o saco, domingão calorento, relendo as confissões de Thomas de Quincey e me divertindo com a frase em que ele diz que o homem sóbrio mascara, dissimula e disfarça muito mais do que com o álcool ou o ópio, no seu caso: e é quando estão bêbados que se colocam de acordo com a verdadeira complexidade de seus caráteres, o que certamente não é o mesmo que se disfarçar.
Eis que eu escutava os rojões e a torcida do curingão gritando provavelmente pelo gol enquanto eu saia aqui de casa pra tentar encarar mais uma apresentação, desta vez do Lou Reed, o poeta da barra pesada novaiorquina com suas putas travecos e michês e junkies que faria uma visita aqui ao lado de casa, no Sesc.
Já fui sabendo que quebraria a cara, uma vez que desde o primeiro dia os ingressos estavam esgotados. Mas depois que li os comentários na net sobre a apresentação de ontem, que quase dez por cento da platéia não digeriu o Metal Machine Trio esganando seus instrumentos e computadores com microfonias, cacofonias e coisas do gênero, pensei comigo por que não arriscar?" o máximo que ocorrerá será eu levar uma bica, não tenho nada a perder. Sendo assim, peguei o beco nesta tarde ensolarada, rumo ao Sesc de Pinheiros, que fica a algumas quadras aqui de casa.
Chegando lá, fui perguntar na bilheteria se não havia sobra de ingressos. Vi  o aviso, falei que sabia que tinha esgotado, mas arrisquei perguntar. Eis que a moça que lá trabalhava deu um ingresso cortesia para eu entrar!!! Não acreditei, não paguei nada. O rock abençoa mesmo e gratifica quem nele acredita. Chegando lá os sons de sintetizador já estavam funcionando continuamente. Havia um gongo e um surdão imenso no fundo, um cara surrava o gongo, até Lou Reed entrar. Lembrei de tudo o que tinha visto sobre este cara, sobre Andy Warhol e o encontro com Morrison em Heroin, ou daquela bolacha do Mott de Hoople  que eu tenho e rola "Sweet Jane", no mesmo disco com o David Bowie, foi fazendo uma volta no tempo na minha cabeça, ouvindo aquele atonalismo que fazia algumas pessoas do público sairem aos poucos. 
O lance não é entender, mas é sentir a parada, um saxofone com pedais, metálicos, fazendo arregaços, em momentos próximos da caixa, microfonia, Lou Reed arregaçando sua guitarra, que era trocada diversas vezes. Aquela música metalizada, cacofônica, vai fazendo você pirar sua cabeça e todos os diabos e fantasmas saem do seu corpo para dar um rolê por ali. É pra colocar pra fora e você ver o quanto você suporta.
Não existe descrições ou adjetivações para aquela música, apenas improviso com a barulheira, uma doideira pirada mesmo metálica, o fim dos tempos, um apocalipse sonoro, tudo sem sentido, niilismo e destruição, música decadente, como o próprio tempo soa ainda trinta e cinco anos depois. Você só consegue compreender com a alma. Soa o gongo e o saxofonista surra o tamborzão anunciando o fim da Metal machine music. Lou ainda é carismático e volta para tocar I´ll be your mirror, do Velvet, e dá as mãos para o público, despedindo-se. O rock beatifica aqueles que seguem acreditando nele, e de vez em quando faz uns milagres, como um raio cair duas vezes no mesmo lugar.



Um comentário:

Pirro disse...

Crônica direta,sintética a-rebentando. Já li o "opiário" do Thomas de Quincey e concordo com ele. Realmente os bebuns falam a verdade. Os sóbrios têm medo dos bebuns. Nietzsche também percebe isso.
Agora, com relação ao Lou Reed, fiquei com inveja de você. Nunca o assisti ao vivo. Porra, adoro esse músicopoeta dos becos urbanos. Sua música tem de ser sentida pela alma, mas no show, acho. Porque também vale a pena ler suas poesias-letras. Infelizmente nesta província onde me entoco, só rolam o lixo baiano e a merdosofia da pagodeira.

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