segunda-feira, 20 de julho de 2009

Fragmentos do viver de verso (diverso?): imagens dos poetas e de São Paulo 1995-1997

Todos dizem que a vida metafórica
Não leva a lugar nenhum
Como é de nossa existência
A poesia rompe a permanência

A meta fora de alcance
Reserva um lugar fora do comum
A meta está fora de pretensões
Não é ocultamento: apenas proveito
Das infinitas possibilidades da palavra

E ao se deitar, não leva bagagem
A vida foi corajosa
Não levou vantagem



Poeta andarilho


Senti na pele de andarilho
Fértil mente de inquieto filho
Ao jogar a vida nos trilhos
Não paralelo, cair no mundo

Pernadas por avenidas e ruas
Contam muitas histórias da lua
Soltar gritos presos na estrada
Ser livre, aprender a voar

Conhecer as pessoas, sua natureza
Tristeza, dentro e fora
Procurar novas flores
Cores, mistérios, odores

Conhecer o irmão violão
Não há solidão onde o levo,
Tocar por puro prazer
Ofereço à musa canções

É da cachaça do barril de carvalho
Mineira, que afeta meu coração
Tiro cartas do baralho
Invento uma canção

Tudo isto está na alma
Na vida do poeta andarilho
No vagabundo, no peito do calado
Amigo contente ao seu lado


*



Sonhei que era um poeta andarilho
Passava por sua varanda
Na quente noite interiorana
Sonhei, seus beijos me acolhiam
Minha mulher menina
Sonhei, aquela noite era minha
Acordei e estava sozinho
Não estavas no meu caminho
Foi feito uma tapa na cara

*



Quem diria
Aquela senhora culta
Informada absoluta
É poeta, mas não respeita

Quem diria
A sua sabedoria
Da mesma senhora
Não irá ao seu caixão

Quem dirá
Donde a poeta dura
Citando Cora coralina
(Justo ela), para humilhar-nos

No cão vadio, há vivência, observação
Ele aproxima-se de sua mesa
Chutas, sem considera
Há mais poesia coralina

Quem diria
Apesar do conhecimento, hipocrisia
Sua sina, nunca na vida
Fostes menina



Poesia paulistana


São homens que vão e vem
Correm por seu vintém
Surge alguém lá no meio
Que vê as coisas mais a fundo

Gente que vê mais fundo?
Poetas, brigando para ser
Escrevem mais do que são
Do que pensam e sentem

Negam a palavras aos outros
Respeitam o trabalho douto
Impõem modos de viver
Demoram a perceber

Cada um é amplidão
Cada um finge, então

Poetas tiram
Tremenda inspiração
Da gota do orvalho
Carta do baralho

Cansei de ver
Esses homens ao meu lado
Impõem seu modo de ser
Fazem pouco caso

Da vida sei a dor
Faço dela escrita
Tudo o que custar
Os expulso, como fez Platão

Por isso luto,
Minha idéia, meu fruto

Filósofos delirantes
Ocupam estantes
Lutam, sucessivamente
Quem está com a razão

Meu amigo olhe
Confie no que digo
Siga seu rumo
Não pense no futuro

Mais vale saber
Cabeças conhecem
Sem especulações horrendas
Nunca estão a venda

Todos possuem o olhar poético
Basta acordar o gênio estético



Pseudo-poetas

Está tudo armado
Pronto esquematizado
Começar a fazer
O jogo destes animais

Tudo uma farsa mutreta
Reza braba das fortes
Mil juras de inveja e morte
Comparsas do capeta

Tanta gente
Sentindo-se
Dono dos olhos do mundo
Um rei na barriga

Andam por ai
Posando de artista importante
Brincam com a vida
De ignorantes

O mundo está pequeno demais
A vida dilacera-se mais e mais

Cada vez mais poetas
Que absurdo

Tantos por ai, espalhados
Rotulados, auto-intitulados
Andando para qualquer lado
Encontra-se pseudo corações vagabundos

O eco de seus gritos
Proferidos no espaço
Ensurdeceram, caducaram
Apoquentam

Poetas prepotentes
Maduros, excelentes
Amargos, injuriam
A vida de qualquer um

Senhor, todo dia
Agonia, fria
Tanta pluma voando
Pouco braço labutando

Está na hora
Já que a onda é de protesto
Vamos nessa que é boa
Afinal, para que presto?

Leia a minha poesia
É muito boa, arrasta garotinhas

Já se esqueceram
Da hora de deitar
Está na hora avô
De aposentar

Seu tempo cinzento
Há muito já vingou
No velho gramofone
Toca alto um rock and roll

Ele é um sucesso, um Best-seller
Compre seus livros
Você não leu?
O pau comeu?

Outro escreve
O que fez lá atrás
Está na moda
Ora quem não faz?

É muito legal poesia
É muito louco
Mas poderia fazer
Pensar mais um pouco

Lá do meu canto
Vejo toda esta maracutaia
Quieto, com o sorriso
De dois palmos de largura



A vida resume-se ao blues


Guria fuja de almas frias
Hipócritas e manipuladores
O arranhão dos dias
Deixam marca de horrores

Lembro-me bem daquele dia
Que a tive menina por um momento
Minha sina são se enganaria
Você continua em meu pensamento

Momento que pra mim foi eterno
Eu só queria fazer parte de você
Naquele passado e frio inverno
Dama gostaria muito de tê-la

Hoje sou o mesmo moleque
Carregando a mochila desbotada azul
Levando minhas velhas utopias
Na minha guitarra, os mesmo blues

Ainda lembro-me daquela moça
Que andava pela estrada da escuridão
Encontrava-me na porteira da roça
Mas hoje tanta solidão restou

Pois você ficou com medo
Não quis ficar ao meu lado
Dama agora não entende
O segredo do meu ser desesperado

Hoje sou o mesmo menino blues
Pernadas na calçada, suor e dor
A vagar só, pela imensidão
Busco seu carinho na multidão

Ainda carrego comigo
A clareza de seus olhos azuis
Não o azul dos burgueses
Mas o de nossos sonhos siameses



Oásis paulistanos

Não encontro mais solução
Desço as ruas na contramão

Subo a Nestor pestana
Ao vender minhas bugigangas
O cenário das putas
Astutas disfarçam à luz do dia

Observo a Praça Roosevelt
Começo a me tocar
Praça ela nada tem
Mendigo ruas sem parar

Do alto de minhas aventuras
Quero ver a noite
Moças requebrando a cintura
Mas vejo o dia, bato perna

Casas antigas
Tradicionais, saudade
Toda molecada bela
Jogando bola, mãe da rua

Mas hoje só um oásis
Em meio a arranha-céus
Somos oásis
Nestes desertos concretos

Ando sem rumo
Sou firme e tranqüilo
Sei que chegarei
Aos objetivos

Na bela vista
Não tive boa visão
Amontoados, empoleirados
Cortiços onde confinam humano

Corto a nove de julho
Revolução, ainda estou em maio
A distância entre bairros
Senhoras que se depenam

Rua Santo Antônio
A moça das alturas
Pula da janela
E cai sobre eu

Ruas podres de São Paulo
Povo esquisito, arredio
Harmonia aparente
Causa calafrio



Retrato de São Paulo

São Paulo: múltiplas faces
Arranha-céus e torres de TV
Ondas de rádio eletromagnéticas
Atravessam nossos corpos
Como carros varam viadutos
Crianças molambentas
Brincam na água barrenta
Fogueira de lixo, tristeza
Cada dia incerteza
São Paulo que feiúra
No largo da batata
Vejo um povo sofrido
Vende só batata não
Vende tomate, cebola, coentro
Manjericão
Poucos recebem uma mão
Essa enorme multidão
Até falam em solidão
No largo do Paissandu
O pássaro não é mais azul
É cinzento e transmite doenças
A pomba branca só trás desavenças
No centrinho velho, teatrinho
Som dos Andes, colarinho
Falta um bocado de carinho
Na praça do teatro municipal
O povo sem Luz
De a luz necessária ao povo
Não a luz vendida
Pelo pastor da praça ramos
A luz do céu
Nos seus caminhos

II


São Paulo é isto
Tem algumas pessoas legais nos bares
Que encontramos na peregrinação
Outros, os frágeis mecenas
Burgueses consumistas fermentados
Crianças e cegos vendem balas
Passam todos ao meu lado
As aglomerações de alienados
Dá-lhe as mãos sim, poetas
Estes sim fazem algo
Por crianças perdidas
Suas vidas feridas
Poetas, mestiços, andarilhos
Não tem vidas nos trilhos
Traçam seus caminhos imaginários
Por um mundo igualitário
Seresteiro, repentista, cantador
Encontramos moças bonitas
Aliviam nossa dor
Bordamos nossos versos
Pintamos os muros
Com cores da poesia e amor
Subir a Nestor pestana
A Roosevelt, o antro carnal
Sentir tesão fraternal
Pelas musas que acolhem
A realidade nos sacode
A rua augusta, seus mistérios
Mulatas, mangustas
Playboys que as perturbam
Toda esta injustiça latina
Que saltam às vistas.

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