Todos dizem que a vida metafórica
Não leva a lugar nenhum
Como é de nossa existência
A poesia rompe a permanência
A meta fora de alcance
Reserva um lugar fora do comum
A meta está fora de pretensões
Não é ocultamento: apenas proveito
Das infinitas possibilidades da palavra
E ao se deitar, não leva bagagem
A vida foi corajosa
Não levou vantagem
Poeta andarilho
Senti na pele de andarilho
Fértil mente de inquieto filho
Ao jogar a vida nos trilhos
Não paralelo, cair no mundo
Pernadas por avenidas e ruas
Contam muitas histórias da lua
Soltar gritos presos na estrada
Ser livre, aprender a voar
Conhecer as pessoas, sua natureza
Tristeza, dentro e fora
Procurar novas flores
Cores, mistérios, odores
Conhecer o irmão violão
Não há solidão onde o levo,
Tocar por puro prazer
Ofereço à musa canções
É da cachaça do barril de carvalho
Mineira, que afeta meu coração
Tiro cartas do baralho
Invento uma canção
Tudo isto está na alma
Na vida do poeta andarilho
No vagabundo, no peito do calado
Amigo contente ao seu lado
*
Sonhei que era um poeta andarilho
Passava por sua varanda
Na quente noite interiorana
Sonhei, seus beijos me acolhiam
Minha mulher menina
Sonhei, aquela noite era minha
Acordei e estava sozinho
Não estavas no meu caminho
Foi feito uma tapa na cara
*
Quem diria
Aquela senhora culta
Informada absoluta
É poeta, mas não respeita
Quem diria
A sua sabedoria
Da mesma senhora
Não irá ao seu caixão
Quem dirá
Donde a poeta dura
Citando Cora coralina
(Justo ela), para humilhar-nos
No cão vadio, há vivência, observação
Ele aproxima-se de sua mesa
Chutas, sem considera
Há mais poesia coralina
Quem diria
Apesar do conhecimento, hipocrisia
Sua sina, nunca na vida
Fostes menina
Poesia paulistana
São homens que vão e vem
Correm por seu vintém
Surge alguém lá no meio
Que vê as coisas mais a fundo
Gente que vê mais fundo?
Poetas, brigando para ser
Escrevem mais do que são
Do que pensam e sentem
Negam a palavras aos outros
Respeitam o trabalho douto
Impõem modos de viver
Demoram a perceber
Cada um é amplidão
Cada um finge, então
Poetas tiram
Tremenda inspiração
Da gota do orvalho
Carta do baralho
Cansei de ver
Esses homens ao meu lado
Impõem seu modo de ser
Fazem pouco caso
Da vida sei a dor
Faço dela escrita
Tudo o que custar
Os expulso, como fez Platão
Por isso luto,
Minha idéia, meu fruto
Filósofos delirantes
Ocupam estantes
Lutam, sucessivamente
Quem está com a razão
Meu amigo olhe
Confie no que digo
Siga seu rumo
Não pense no futuro
Mais vale saber
Cabeças conhecem
Sem especulações horrendas
Nunca estão a venda
Todos possuem o olhar poético
Basta acordar o gênio estético
Pseudo-poetas
Está tudo armado
Pronto esquematizado
Começar a fazer
O jogo destes animais
Tudo uma farsa mutreta
Reza braba das fortes
Mil juras de inveja e morte
Comparsas do capeta
Tanta gente
Sentindo-se
Dono dos olhos do mundo
Um rei na barriga
Andam por ai
Posando de artista importante
Brincam com a vida
De ignorantes
O mundo está pequeno demais
A vida dilacera-se mais e mais
Cada vez mais poetas
Que absurdo
Tantos por ai, espalhados
Rotulados, auto-intitulados
Andando para qualquer lado
Encontra-se pseudo corações vagabundos
O eco de seus gritos
Proferidos no espaço
Ensurdeceram, caducaram
Apoquentam
Poetas prepotentes
Maduros, excelentes
Amargos, injuriam
A vida de qualquer um
Senhor, todo dia
Agonia, fria
Tanta pluma voando
Pouco braço labutando
Está na hora
Já que a onda é de protesto
Vamos nessa que é boa
Afinal, para que presto?
Leia a minha poesia
É muito boa, arrasta garotinhas
Já se esqueceram
Da hora de deitar
Está na hora avô
De aposentar
Seu tempo cinzento
Há muito já vingou
No velho gramofone
Toca alto um rock and roll
Ele é um sucesso, um Best-seller
Compre seus livros
Você não leu?
O pau comeu?
Outro escreve
O que fez lá atrás
Está na moda
Ora quem não faz?
É muito legal poesia
É muito louco
Mas poderia fazer
Pensar mais um pouco
Lá do meu canto
Vejo toda esta maracutaia
Quieto, com o sorriso
De dois palmos de largura
A vida resume-se ao blues
Guria fuja de almas frias
Hipócritas e manipuladores
O arranhão dos dias
Deixam marca de horrores
Lembro-me bem daquele dia
Que a tive menina por um momento
Minha sina são se enganaria
Você continua em meu pensamento
Momento que pra mim foi eterno
Eu só queria fazer parte de você
Naquele passado e frio inverno
Dama gostaria muito de tê-la
Hoje sou o mesmo moleque
Carregando a mochila desbotada azul
Levando minhas velhas utopias
Na minha guitarra, os mesmo blues
Ainda lembro-me daquela moça
Que andava pela estrada da escuridão
Encontrava-me na porteira da roça
Mas hoje tanta solidão restou
Pois você ficou com medo
Não quis ficar ao meu lado
Dama agora não entende
O segredo do meu ser desesperado
Hoje sou o mesmo menino blues
Pernadas na calçada, suor e dor
A vagar só, pela imensidão
Busco seu carinho na multidão
Ainda carrego comigo
A clareza de seus olhos azuis
Não o azul dos burgueses
Mas o de nossos sonhos siameses
Oásis paulistanos
Não encontro mais solução
Desço as ruas na contramão
Subo a Nestor pestana
Ao vender minhas bugigangas
O cenário das putas
Astutas disfarçam à luz do dia
Observo a Praça Roosevelt
Começo a me tocar
Praça ela nada tem
Mendigo ruas sem parar
Do alto de minhas aventuras
Quero ver a noite
Moças requebrando a cintura
Mas vejo o dia, bato perna
Casas antigas
Tradicionais, saudade
Toda molecada bela
Jogando bola, mãe da rua
Mas hoje só um oásis
Em meio a arranha-céus
Somos oásis
Nestes desertos concretos
Ando sem rumo
Sou firme e tranqüilo
Sei que chegarei
Aos objetivos
Na bela vista
Não tive boa visão
Amontoados, empoleirados
Cortiços onde confinam humano
Corto a nove de julho
Revolução, ainda estou em maio
A distância entre bairros
Senhoras que se depenam
Rua Santo Antônio
A moça das alturas
Pula da janela
E cai sobre eu
Ruas podres de São Paulo
Povo esquisito, arredio
Harmonia aparente
Causa calafrio
Retrato de São Paulo
São Paulo: múltiplas faces
Arranha-céus e torres de TV
Ondas de rádio eletromagnéticas
Atravessam nossos corpos
Como carros varam viadutos
Crianças molambentas
Brincam na água barrenta
Fogueira de lixo, tristeza
Cada dia incerteza
São Paulo que feiúra
No largo da batata
Vejo um povo sofrido
Vende só batata não
Vende tomate, cebola, coentro
Manjericão
Poucos recebem uma mão
Essa enorme multidão
Até falam em solidão
No largo do Paissandu
O pássaro não é mais azul
É cinzento e transmite doenças
A pomba branca só trás desavenças
No centrinho velho, teatrinho
Som dos Andes, colarinho
Falta um bocado de carinho
Na praça do teatro municipal
O povo sem Luz
De a luz necessária ao povo
Não a luz vendida
Pelo pastor da praça ramos
A luz do céu
Nos seus caminhos
II
São Paulo é isto
Tem algumas pessoas legais nos bares
Que encontramos na peregrinação
Outros, os frágeis mecenas
Burgueses consumistas fermentados
Crianças e cegos vendem balas
Passam todos ao meu lado
As aglomerações de alienados
Dá-lhe as mãos sim, poetas
Estes sim fazem algo
Por crianças perdidas
Suas vidas feridas
Poetas, mestiços, andarilhos
Não tem vidas nos trilhos
Traçam seus caminhos imaginários
Por um mundo igualitário
Seresteiro, repentista, cantador
Encontramos moças bonitas
Aliviam nossa dor
Bordamos nossos versos
Pintamos os muros
Com cores da poesia e amor
Subir a Nestor pestana
A Roosevelt, o antro carnal
Sentir tesão fraternal
Pelas musas que acolhem
A realidade nos sacode
A rua augusta, seus mistérios
Mulatas, mangustas
Playboys que as perturbam
Toda esta injustiça latina
Que saltam às vistas.
REBENTOS DO CELSO: Poemas, causos, memórias, resenhas e crônicas do Celso, poeteiro não-punheteiro, aquariano-canceriano. O Celso é professor de Filosofia numa Escola e na Alcova. Não é profissional da literatura, não se casou com ela: é seu amante fogoso e casual. Quando têm vontade, dão uma bimbadinha sem compromisso. Ela prefere assim, ele também: já basta ser casado com a profissão de professar, dá muito trabalho. Escreve para gerar o kaos, discordia-ou-concórdia, nunca indiferença.
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