sábado, 12 de junho de 2010

Algumas que surrupiei do caolho

Hoje o público se encontra, em relação ao escritor, em estado de passividade: espera que lhe imponham ideias ou uma nova forma de arte. É a massa inerte na qual a ideia vai tomar corpo. Seu meio de controle é indireto e negativo; seria dificil dizer que ele dá a sua opinião: simplesmente compra ou não compra o livro.

O escritor por vezes desfruta das complascências passageiras de uma marquesa, mas acaba se casando com a criada desta ou com a filha de um pedreiro. Assim a sua consciência, bem como o seu público, está dividida. Mas ele não sofre por isso; ao contrário, o seu orgulho vem dessa contradição de origem: acredita que não tem compromissos com ninguém, que pode escolher seus amigos e seus adversários, e que basta tomar da pena para se livrar do condicionamento dos meios, das nações e das classes. Ele paira, sobrevoa, é pensamento puro e puro olhar: decide escrever para reivindicar sua marginalização de classe, que ele assume e transforma em solidão;

O mito justificador dessa classe laboriosa e improdutiva é o utilitarismo; de um modo ou de outro, o burguês faz o papel de intermediário entre o produtor e o consumidor; ele é o meio-termo elevado à máxima potência; portanto, no par indissolúvel que formamo meio e o fim, decidiu atribuir importância primordial ao meio. (...) Se a obra de arte entra no círculo utilitário, se pretende ser levada a sério, será preciso que desça do céu dos fins incondicionados e se resigne a tornar-se útil, isto é, que se apresente como meio capaz de encadear outros meios.

É preciso, pois, retornar ao público burguês. O escritor se gaba de haver rompido todas as relações com ele, mas, recusando o rebaixamento social, condena sua ruptura a permanecer simbólica: exibe-a incessantemente, indica-a pelo seu modo de vestir, pela alimentação, pela mobília, pelos novos hábitos que asume, mas não realiza de fato. É a burguesia que o lê, é só ela que o sustenta e que decide quanto à sua glória.

Como ele não se decide a fazer isso (sair de dentro da burguesia), vive na contradição en a má-fé, pois sabe, e ao mesmo tempo não quer saber, para quem escreve. De bom grado fala da sua solidão e, em vez de assumir o público que escolheu dissimuladamente, inventa que o escritor escreve só para si mesmo ou para Deus; faz do ato de escrever uma ocupação metafísica, uma prece, um exame de consciência - tudo, menos uma comunicação

Assim, o escritor burguês e o escritor maldito se movem no mesmo plano; a única diferença é que o primeiro faz psicologia branca e o segundo, psicologia negra

Trata-se de negar o mundo, ou de consumi-lo. Negá-lo pelo consumo

A burguesia deixa-o agir; ela sorri dessas maluquices. Pouco importa que o escritor a despreze: esse desprezo não irá longe, já que ela é o seu único público; é só a ela que fala sobre desprezo, faz-lhe confidências a respeito; de certa forma, é o vínculo que os une.

Em suma (o escritor) é uma revoltado, não um revolucionário. E dos revoltados, a burguesia se encarrega.

Digo que a literatura de uma determinada época é alienada quando não atingiu a consciência explícita da sua autonomia e se submete aos poderes temporais ou a uma ideologia, isto é, quando considera a si mesma como um meio e não como um fim incondicionado.

O escritor o resgatará tal qual é, totalmente cru, suado, fedido, cotidiano, para apresentá-lo a liberdades, sobre o fundamento de uma liberdade. A literatura, nessa sociedade sem classes, seria portanto o mundo presente para si mesmo, em suspenso num ato livre e se oferecendo ao livre julgamento de todos os homens, a presença para si reflexiva de uma sociedade sem classes;é pelo livro que os membros dessa sociedade poderiam, a cada momento, situar-se, enxergar-se e enxergar sua situação. (...) 
Assim numa sociedade sem classes, sem ditadura e sem estabilidade, a literatura contemplaria a tomada de consciência de si mesma: compreenderia que forma e fundo, público e tema são idênticos (...)
É claro que se trata de uma utopia: é possível conceber essa sociedade, mas não dispomos de nenhum meio prático para realizá-la. Mas a utopia nos permitiu vislumbrar em que condições a idéia de literatura poderia manifestar-se na sua plenitude e na sua pureza. Tais condições, sem dúvida, não são preenchidas hoje; e é hoje que é preciso escrever.

Jean-Paul Sartre, Que é a Literatura?

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