A noite corria tranquila. Carlos descia do cinema, havia assistido um filme, Absolute Begginers, sobre os baby boomers, o jazz do Soho, com o David Bowie, Sade, entre outros no elenco. Descia tranquilo, pela Consolação abaixo, no bairro escuro dos Jardins, passando na porta das casas em que se dizem baladinhas mais diversas possíveis. Foi cortando as ruas, cruzando-as suavemente, ouvindo o Joe Cocker esgoelando-se e alternando com a calamaria de seus blues. Também enquanto a bota mandava ver, e ele passava pelos cemitérios, olhando em busca de seu João, ouvia Koko Taylor esgoelando seus blues. Seus fones mandavam ver, passando pelas encruzas, esperando topar com um exú. Seguia seu rumo, tranquilo, procurando por uma festa, para rever os conhecidos, mas não encontrou nenhum, e nem mesmo o endereço da festa. Procurou de cabo a rabo: subiu, desceu a rua, mas não encontrou aquele número, aquele endereço, até que tangenciaram em uma informação. Desistiu, entregou os pontos naquela procura, depois de muita peleja, mas parece que no tempo em que foi comprar um lanche e um trago, esperando o buso na Teodoro, chegaram dois doidos, uma baranga loira desbocada com um malandro mamado com uma lata na mão. A mulher loira queria subir de qualquer jeito, mesmo que fosse de táxi. Perguntou a Carlos sobre ônibus, que deu-lhe a informação sobre o intervalo maior dos ônibus, na madrugada. Nisso, chegou uma moça, na verdade, com uma cara de menina, assombrada, dizendo ter sido assaltada, que tinham levado seu dinheiro, procurando o ônibus para Santo Amaro. Orientaram que ali não tinha, que era no Largo da Batata. O malandro se interessou, dizendo que ela era uma menina, que não andasse por ai, pois seria um corpo estendido, boiando no rio no dia seguinte. Sua mulher logo enciumou, ficou possessa, dizendo que não tinha nada de menina, que naquela idade não tinha de criança, que ela se virava, que era problema dela, e que o cara queria ir, que fosse, galinhar para cima dela - isso muito possessa, vendo a arrastada de asa que dera, e logo chamou um táxi e entraram. Os caras não se proporam. Carlos, ali no ponto, enconstado, esperando meu ônibus a pouco, tomou atitude, e disse que a levaria, pois pegaria ônibus na Rebouças, e que dali não custava nada, desceriam juntos. A menina foi seguindo. Era uma menina mesmo, com cara de boneca, olhos grandes, pretos, cílios destacados, vestia uma jaqueta cinza, blusa azul, tinha cabelos cheios, castanhos escuros e pretos, um rosto branco, que Carlos viu quando ela perguntara se estava vermelho, mas na verdade estava pálido. Ela usava ainda uma meia calça, um sapato que parecia uma bota, tinha as unhas pintadas de preto, anéis, colares, pulseiras, coisas de uma moça daquela idade. E Carlos foi acompanhando, tentando acalmá-la, ela reclamava do frio, que estava com dor de cabeça, de passara o susto, que ficara nervosa, mas que agora, vinha a preocupação com a perda da carteira roubada, cartões, documentos, que teria que tirar tudo novamente. Carlos foi acalmando, que o importante é que nada acontecera a ela. Ela agradecia, dizendo que Carlos era um anjo, mas na verdade aquela mocinha é que era um anjinho caído na terra, de asas quebradas, e que não poderia ficar perdida pelas ruas, abandonada e desprotegida. Ele disse que a ajudaria, pois ela teria que tomar um ônibus até o terminal Santo Amaro, e depois, seguir rumo à Interlagos, tomando outro. Orientou um cara que procurava por um restaurante fast food Árabe, atravessando a rua. Perguntou como ela se chamava, ela disse que era Giovana, Carlos disse o seu, e ela disse que era um prazer conhecê-lo. Passaram em frente aos risca-faca e os inferninhos do Largo da Batata, tocando forró eletrônico, funk e sertanojo. Giovana vinha atrás, Carlos se preocupava se nenhum função mexeria com aquela princesinha. Os comportamentos lascivos davam-se ali mesmo em frente, e o cenário era tomado pelos carrinhos de churrasquinho de gato, cachorro quente, pipoca. Perguntaram a respeito do ônibus, disseram que saia do canteiro central. Tiramos a prova com o rapaz da barraca de tapioca. O ônibus saira à meia noite e quinze. E só sairia às cinco e cinquenta. Giovana gelou. Carlos trocou o dinheiro, uma nota de cinco, e deu a ela. Giovana resistia. Carlos dizia, você auxilia alguém depois, sem problemas. Pensou em uma solução. Chamou-a para a Rebouças, pois era o melhor meio de tomar um ônibus e adiantar sua vida, indo para o Centro. Aquela menina era linda, ela tinha ainda um lenço amarelo e outras cores. Mas em nenhum momento Carlos abusou ou tirou proveito desta situação, conversaram, sobre em que ela trabalhava, disse que fazia fotografia de cabeleireiros, que não devia ter saído, que fora falar com uma amiga, que fora o pior dia. Ele fora consolando, que o mais trabalhoso eram os documentos. Ela perguntou porque ele estava até aquele horário, e Carlos contou toda a história. Ele trocou o dinheiro em um posto, deu mais, ela recusou. Ela dizia que estava ou tinha estragado a sua noite. Ele já tinha mesmo entregado os pontos, pois não achara o endereço da festa, disse-lhe. Ele tinha esta missão, ele fora designado para ajudá-la, para tirá-la daquele apuro, naquela hora, era mais do que um acaso objetivo desses. Chegaram no ponto da Rebouças com a Faria Lima, Um cara perguntava apara chegar no Ibirapuera. Ele iria na bota. Um outro rapaz lá estava, confirmou o roteiro que Carlos lhe disse. Ela estava com frio, sono, sentou-se, esperando o ônibus, que levou mais vinte minutos. Dormiu no banco junto a ele, perguntando. Ele disse que à noite era rápido, não havia trânsito. Ela dormiu de boca aberta, seus cílios grandes, os lábios carnudos abertos, mas em nenhum momento Carlos insinuou-se, não esboçou nenhuma tentativa. Ajudava sem interesse, sem exigir nada em troca. Apenas tinha interesse em conduzir aquele anjo lindo, aquela moça bonita, perdida na noite, para seu destino. Era um andarilho da noite, um boêmio que conhecia todos os seus caminhos e quebradas. Enfim, chegaram até o Terminal Bandeira, ela conseguiu carregar seu bilhete, despediram, ela ficou lisongeada de anjos que a ajudaram, que deram de si, e o sorriso dela foi o que mais valeu a pena no peito de um maluco doido, que foi dormir mais tranquilo. Alguma bondade o chamava, alguma boa ação, para ajudar, sem interesse em levar nada em troca. Apenas levar aquele anjinho para seu destinho, era ele um recolhedor de almas aflitas e perdidas na noite. Giovana até agora pensava em não cair em mãos de um fascínora, e dera sorte de trombar no seu destino um maluco andarilho, sincero e de bom coração que sabia o rumo de todas as quebradas e armadilhas da noite. Esperava que ela tirasse dali uma conclusão e outro conceito de um maluco. Carlos seguira tranquilo para sua casa, com a leveza do espírito, por ter feito uma boa ação. Chegou na sua casa. Tomou uma dose, para ajudar na recuperação. Sentou-se ao computador. No bate papo, uma mulher o chamava, exibia seus dotes, os peitos enormes, em uma foto muito provocante. Disse que o adicionara devido à sua barba, que tinha tesão por homens barbudos beatnicks. Ela tinha alguns conhecidos. Ele elogiou aquela foto, muito bem tirada, naquele ângulo. Depois dela sair, afinal, já era quase de manhã, Carlos desabotoou a calça e mandou ver, descascou uma banana em homenagem a esta gordinha e à todas garotas perdidas pela noite, porque também ninguém é de ferro.
REBENTOS DO CELSO: Poemas, causos, memórias, resenhas e crônicas do Celso, poeteiro não-punheteiro, aquariano-canceriano. O Celso é professor de Filosofia numa Escola e na Alcova. Não é profissional da literatura, não se casou com ela: é seu amante fogoso e casual. Quando têm vontade, dão uma bimbadinha sem compromisso. Ela prefere assim, ele também: já basta ser casado com a profissão de professar, dá muito trabalho. Escreve para gerar o kaos, discordia-ou-concórdia, nunca indiferença.
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