segunda-feira, 31 de maio de 2010

A educação para desgarrar do rebanho

A pseudoindividualidade é um processo para compreender e tirar da tragédia sua virulência: é só porque os indivíduos não são mais indivíduos, mas sim meras encruzilhadas das tendências do universal, que é possível reintegrá-los totalmente na universalidade. A cultura de massas revela assim seu caráter fictício que a forma do indivíduo sempre exibiu na era da burguesia, e seu único erro é vangloriar-se por essa duvidosa harmonia do particular e do universal.

ADORNO & HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento.


Escrevendo ontem sobre a mafalda e os presos políticos da Diane di Prima, entre outros assuntos, veio hoje à minha lembrança a questão da emancipação, da educação dos sentidos, da desbarbarização do sujeito na sociedade moderna, tal qual identifico a pequerrucha argentina e a autora das cartas revolucionárias.
Neste tema, é mais do que necessária uma referência aos pensadores do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, mais conhecido como escola, embora hajam muitas diferenças entre eles que não possam constituir uma escola propriamente dita. O que há de comum entre Adorno, Horkheimer, Marcuse e Benjamin são as suas fontes para compreender a modernidade, sejam eles Marx, Freud, Nietzsche e Hegel, alguns Kant também, no conceito de esclarecimento, autonomia do sujeito e saída de sua menoridade. Questionando o progresso e o Iluminismo, o projeto de autonomia da razão, de esclarecimento, que tornou-se em fetiche e razão instrumental da indústria cultural, mais uma vaselina para completar a servidão voluntária dos indivíduos ao capital e às suas corporificações.
Há em suas obras o impacto de Auschwitz, da perseguição e do exílio em obras de Adorno e Horkheimer, e o trágico suicídio (?) de Walter Benjamin na fronteira da França com a Espanha, perseguido pelos nazis. Mas eles também não deixavam barato para o estado capitalista dos EUA, com sua "indústria de felicidade", o sonho americano, assemelhando-se ao totalitarismo em sua época macartista. Bem como à crítica também era feita ao stalinismo, à burocratização do socialismo e institucionalização promovida ao marxismo diamat. Nada que reduzisse o indivíduo crítico, a massa crítica, aqueles que jogavam  e os que ainda teimam em jogar areia na engrenagem à nulidade escapava destes filósofos sociais.
Lembro-me dos livros de Marcuse, o Ideologia da sociedade industrial: Indivíduo Unidimensional, Eros e Civilização, a Dialética do Esclarecimento, Educação e Emancipação, entre outros dos autores. Dos conceitos da Grande recusa de Marcuse, do conceito de uma história aberta e sem finalidade, das teses sobre o conceito de história benjaminiano de escovar a contrapelo a história, sempre escrita do ponto de vista hegemônico. O que vemos hoje é a mediocrização geral, a barbarização, e a falta de audácia e o conformismo geral. O pensamento único tomou conta, a era pós-moderna do vazio, da liquidez das relações  e dos vínculos entre os sujeitos enquanto reina o Deus mercado e seu sacerdote, o dinheiro, o capital, é o imperador do mundo.
Daí que mesmo  a tentativa de singularidades, de pessoas únicas serem imitáveis, como as da contracultura, que está integrada mais do que possível. Antes ainda tinha aquela aura ou mesmo uma mística, haviam movimentos de mulheres, de jovens, estudantes, de negros, mas o tempo e o dinheiro fizeram o que o Belchior descreveu bem em Como Nossos Pais. Hoje vejo hippies e bitniks terem postura mais adaptada, mais capitalista e burguesa do que muitos burgueses quando estão em seu mangueio ou mesmo quando sacaneiam e microbeiam os outros vendendo artesanato, artefatos industrializados. Nada de solidariedade ou camaradagem. Alguns possuem práticas e pensamentos que se identificam mais com a liga das nossas senhoras católicas em defesa da sacrossanta propriedade privada dos seus direitos autorais explorados pelas editoras do que antes se via. Daí não espantar declarações imbecilizadas e descontextualizadas, pois a mediocrização é geral. Até quando você propõe um debate sobre algum tema, você se vê achincalhado ou infatilizado pelo clima geral de desqualificação pessoal do que argumentos que refutem os seus de fato.
O ato mesmo de querer se diferenciar,  de ser rebelde tendo como referenciais estereótipos, de superfície ou seja , se significa apenas comportamentalismos ou modismos que não mudam a vida e a sociedade pela raiz,  só faz integrar mais ainda na universalidade. Não há mais nenhuma recusa ou sequer alguma crítica pertinente por parte destes elementos que se dizem  ou se autoplocamam marginais ou rebeldes, na forma e no conteúdo em que se apresentam. Não passam de uma sombra falsária daquilo que tentaram ser outrora, mas de modo muito, mas muito mais adaptado à ideologia do pensamento unidemensional, a vaselina do poder.

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